"CHARLES PARÁ - UM HIPERTEXTO UNDERGROUND"

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CHARLES PARÁ O QUE QUE HOUVE O QUE QUE HÁ ?OLUAP ATARAB LISBOA - 1985 NO JARDIM Xarope Xará se encontrava a sós com a Marilyn com sua bundinha saliente balançava pelo jardim. Xará tem vontade de passar a mão naquela bundinha atraente convida Marilyn pra ir pra uma ilha deserta com coqueiros e bananeiras e ver Marilyn mijar no mato agachadinha. Na ilha deserta tem falcão avestruz, bicho da seda e maravilhas da Etiópia, ébano e cenários de filmes históricos americanos. Xará gosta de estórias da mitologia contadas nas noites de lua cheia ( luar ). O Herói XAROPE XARÁ e sua companheira de aventura Filó Sofia estarão se apresentando ao distinto público de Vila Franca de Xira, Portugal, no dia 9 de abril do próximo ano, por ocasião do lançamento do filme intitulado " O PAÍS DE BADEZIR ". Por enquanto as filmagens ainda vão começar mas Xará e sua paridade treinam nos campos do aterro do Flamengo no Rio de Janeiro a dar saltos até o mar do Leblon. Atenção, lá vem eles e zapt-zun estão no meio do Oceano Atlântico fritando peixinhos na canoa do índio Sacy-Purã. _ Olá, Sacy-Purã. _ Olá. _ O que me dizes nesta noite de inverno tropical ? _ Bem, Xará, há noites assim que não durmo, espreito os movimentos de meu povo nos planos dos acontecimentos prováveis. _ Onde mora seu povo, Purã ? _ Em lugar nenhum desta terra avistada. _ Mas como pode ? _ Podendo, Xará. A liberdade é de ti próprio ser livre. E alcança os planos da Vida ! Adeus, Xará. Até outro cruzar ?! E assim lá se foi o Sacy-Purã deixando Xarope Xará encabreirado com seus peixinhos no espeto. Pergunta a Filó : _ Que que o Sacy quer dizer com ser livre de ti próprio ? _ Bem, Xará, o que ele disse não sei, mas é muita sorte pra tu ter encontrado o Sacy-Purã no meio deste Oceano, tu não acha ? _ Eu, e você ? _ Ora, eu sou a tua outra metade. A lua desta noite. Olha só que bonita. E Filó Sofia olha para o alto. Seu perfil espalha a brancura daquela lua e seu sorriso se espalhou pelas ondas daquele Oceano. O SONHO PROFÉTICO DE XAROPE XARÁ Xarope dormiu vendo os cabelos de Marilyn balançando ao vento. Sonhava que dormia numa rede sonhando e estava numa cidade dourada. Seria dos Incas, dos Maias ? Ou dos aztecas ? Uma perereca azul saltitava. Da fenda de uma pedra saiu um pássaro vermelho que subiu em círculos até o alto da montanha. Os nativos do lugar olhavam para o alto da montanha e pareciam entender a mensagem do pássaro. Uma índia parecida com Filó olhava para ele e lhe oferecia uns cogumelos dourados. Ele encantou-se com o seu sorriso e agradeceu os cogumelos. Ela acenava e chamava e ali já estava. Foram andando de mãos dadas até sumirem por debaixo de um arco de pedra. Do outro lado do arco desdobrava-se um anfiteatro com um imenso sol pintado sobre as pedras. A multidão vinha como raios de várias direções. Vestiam bonitos trajes de pele felpuda e sorriam ao me verem passar. Passamos em frente de uma casinha pintada de branco com um desenho na parede : um círculo com um ponto central. Olhei pela janela e vi uma velha separando ervas em cima de uma mesa. A índia entrou na casa e me pediu pra ficar espiando pela janela. A velha já lhe esperava e disse para ela pegar uma tigela de ferro que já estava rubra no fogo. Eu me encostei no parapeito da janela para melhor observar o que se passava. A velha colocou um punhado de ervas no fundo da tigela. Um cheiro delicioso invadiu o ambiente e eu ouvi meu nome pronunciado com exatidão. Era a velha que agora recitava encantos. A perereca azul pousou em cima da mesa vinda de não se sabe de onde. A velha se agachou e olhou nos seus olhinhos pretos. Parecia conversar com a bichinha. As paredes da casinha vibravam e desapareceram. Eu pude ver a perereca pulando campo afora e se transformar num homem, o velho guerreiro. A índia já estava fora da casa e eu a segui. Entramos no anfiteatro pela porta central. No Centro o velho guerreiro recitava um poema para o sol. Xará sentou-se ao lado da índia e olhou para ela. Ela fez sinal para ele comer o cogumelo. Ele mordeu o chapeuzinho e olhou para o céu. O pássaro vermelho planava em sucessivas camadas de ar até pousar na mão do velho guerreiro que então proclamou : _ Irmãos, vivemos os últimos dias de liberdade. Do oceano virão branquelas que não respeitarão a nossa maneira de viver. Eles não amam o Sol e não sabem da linguagem dos pássaros. Sofreremos imenso e um dia, quando só restarem ruínas de pedras cobertas de musgo, nos encontraremos em outro país que se chama Badezir. Lá construiremos nossa morada e Sacy-Purã nos dará a chave de um reino que nunca será invadido. Ouviu-se um estrondo. Todos correram. O velho índio caiu ao solo tingido de urucum. INTROITO : O ENCANTO DA MAGA DRUÍDA Ai a flor amada é mais que a maga druída e foi por ela que o galo cocorocô. Tão criando galinha ali embaixo. Deve ser o Tião do Asterix tá de cama, pegou uma gripe de lascar, dona Zefa o cafezinho tá bom demais, isto é vida a paz da montanha amanhã tem filmagens na Pedra Bonita, chii deve ser o filme do Xará, ele quer me apresentar ao diretor eu vou lá. Xará, você vai pular e você sabe mexer em asa delta, ô borboleta tropical, deixa disto, este cara é louco como é mesmo o nome dele, o diretor, muito prazer eu sou o Osório Duque Estrada me chamam de Charles Pará. O Xará, você viu a Marilu, me esqueci de lhe falar, ela vem aí. Tão medindo a luz Xará vai sair do centro dos sete círculos depois vai correr até a beira e se lançar. Boa filmadora. Beaulieu. Deve ter uns vinte anos. Marilu, toda de vermelho, quente e gostosa, cê não tava hibernando, sei lá, a dona Zefa me deu o toque e eu vim, podes crer, cê agora é atriz de cinema, né, um beijo gostoso, já não caibo na tua vida, na tua boca, sai da frente que vai começar as filmagens, será que o Xará sabe mesmo pular chii lá vai ele aonde irá parar ? Bem, considerando que a vida é mesmo assim, eu falo por mim, toco pandeiro e tamborim. Sei que ela é um elefante, tem força, e agora mando um recado pro meu pai: no rio Nilo das palavras, por onde as frases fluem, a garça está na beira de pé fincado no chão. Há um pôr-de-sol manso e quero te encontrar em paz. Me chamam de Charles Pará mas meu verdadeiro nome é Osório Duque Estrada, sou tataraneto do autor da letra do hino nacional. Pareço um pato patriota chacoalhando na lama mas hei de virar flor de lótus. O meu mal é a associação de idéias que é mais forte que o contacto com a realidade cotidiana. Não conheço o autor deste livro com o meu nome mas sinto telepaticamente ele a vasculhar-me os pensamentos. Mas não sou tão paranóico assim. Acreditem-me. Este papo da onda nem sei, vai ser o que tiver de ser, não tenho nada com isto, mas vou me mudar pro planalto em oitenta e seis. Porra, o ônibus não chega. Olha lá, é a Marilu, a garota biscoito que pede bis ao coito que chega. Marilu é uma figura, estudou comigo no vestibular pra Química porque a gente tava afim de sintetizar ácido no laboratório de lá. Fizemos um purple haze vagabundo que deu pra curtir o Hendrix e entender a sua mensagem que agora deve ter saído de nosso sistema solar em busca de outras galáxias de som. Fiz-me entendido ? Se não, desculpem, será que tô pensando alto demais, estão olhando pra mim, ainda bem que o bus tá chegando. Esse aí vai pra Miami ou Paris Texas ? Mother ! Tchau gente. Vocês já ouviram falar no Roberto Carlos ? Não tão sabendo é de nada ! Excuse me, if I Kiss the Sky ! O SEGREDO Há um segredo que eu quero contar pra vocês: Xarope Xará, o mercúrio alado, o amante de Filó, sempre quis conhecer o Buda. Sim, aquele mesmo das estátuas de bronze ou marfim. Buda passeia em seu elefante Madhar pelos jardins do Palácio Real. É um príncipe e como tal se distrai. Gosta muito de sua mãe, a rainha Maia, e com ela conversa nos domingos de manhã. O sol seca o orvalho das flores e Maia, ladeada de dois pagens abanadores, observa o filho que vai e vem no seu elefante paciente ( Buda conhece os pontos de pressão no tronco do animal e assim, apertando aqui ou ali, dirige-o à sua vontade ). Foi neste instante que Xará aterrisou no pátio do palácio. Mergulhara no espaço sua asa delta, partindo do alto da Pedra Bonita, no Rio de Janeiro. Depois de ter sobrevoado o Cristo Redentor, de repente, uma corrente aérea o fez se afastar velozmente, até ver o Cristo pequenino. Tava longe, muito longe. De lá do alto ainda ouviu Filó gritar: _ Volta Xará, volta ! Preciso lhe contar uma coisa ! Mas não dava pra voltar, mesmo ! Xará se deixou levar pela corrente. Passou por cima da África, cumprimentou o Samora Machel em Moçambique, que cruzou com ele em seu jatinho particular. É que a esta altura Xará voava a uma velocidade estúpide. Sobrevoou também a Guiné Bissau, onde bateu em papo telepático com o Nino Vieira, cruzou outro oceano e avistou uma terra muito parecida com Caixa-Pregos, na Bahia. Tava no pico do calor e parece que a corrente terminara ali de propósito. Que tinha tido a intenção de trazer Xarope Xará àquele ponto do tempo-espaço. _ Hei, conheço você. Chama-se Buda, não é ? _ Meu nome é Sakia Muni e quem és tu que ousas descer do céu ? Serás Garuda, o pássaro divino ? Xará malandro: _ Sou sim, e vim lhe trazer uma mensagem da Brahma. _ !? _ Venho lhe recordar de sua importante missão no mundo, como redentor dos homens. Será conhecido como Buda, o Salvador. _ Não conheço nada do mundo, nunca saí deste palácio. Não achas uma contradição ? _ Mas assim é. Como sinal de reconhecimento cantarei uma canção, é nobre Senhor ! _ Desejas algum instrumento para te acompanhares, ó Garuda ? _ Sim, uma viola. E de Xarope Xará se aproximaram duas gopis lindíssimas vestidas com batas de seda púrpura, brocados de ouro e aquele olhar doce de mel que lhe derreteu todo. Pegou sem jeito na viola de ébano, incrustadinha de pedras preciosas. Habituado, olhou pra dentro da boca pra verificar se era Di Giorgio ou Gianini e maravilhado viu a sua imagem. Havia um espelho lá dentro mas não era a sua imagem o que via: era uma figura hindu. Era Krishna, mas não tinha flauta. Sorria para ele e convidava-o a mergulhar naquele espaço transcendental. Xará resolveu arriscar e colocou a cabeça pra dentro da boca da viola. Já lá metido se sentiu mais à vontade. Era um espaço não euclidiano totalmente diferente. Azulado-púrpura, tinha uma consistência gelatinosa que redopiava em espirais. Seguiu o Krishna que se aproximava e fugia ao mesmo tempo. Então se concentrou naquele rastro de luz e ia se dissolvendo e se fundindo com a luz. Sentia um pouco de medo. E muito prazer. Que aventura ! Mas Krishna lhe dava confiança e ele se soltava e ia, ia, até a sua alma gozar. Realizou o segredo: Krishna queria lhe levar para sua morada eterna. _ Garuda, canta para mim. Estou ansioso. Quero ouvir a tua canção. Xará despertou do transe. Parecia que não tinha passado nem 3 segundos, pois o Buda continuava no mesmo lugar e as árvores balançavam sob o mesmo vento. _ Sim, Sakia-Muni, estava admirando a beleza da viola que tenho nas mãos. _ Será sua, Garuda, se assim o desejares. _ Obrigado, ó Grande Príncipe. E Xará fez um pranam demorado. Depois sentou-se no tronco da mangueira e entoou: Eu sei que eu sou um herói Mas o que me dói É viver num mundo assim tão cruel Ver os pobres na esquina Não me ilumina Por isso é que admiro o nobre Buda Ver os velhos pelas ruas Não me ilumina Por isso é que admiro o nobre Buda Ver os doentes nas calçadas Não me ilumina Por isso é que admiro o nobre Buda Ver a morte surpreender Não me ilumina Por isso é que admiro o Grande Buda Terminada a canção Xará olhou pro Buda, pois não tivera coragem de mirá-lo na face, enquanto cantava. O Buda sorria do alto de seu elefante Madhar. _ Gostei da melodia. Mas não percebi nada das palavras. Não sei o que é pobre. Não sei o que é velho. Nem doente, nem morte. Poderias, ó divino Garuda, explicar-me o significado dessas estranhas palavras ? Xará estava perplexo. O Buda não era ainda o Buda e sim o humano Sakia-Muni. Indicaria ao rapaz tão puro, sentado no alto de um lindo elefante, os portões que o levariam ao mundo ? Foi o que fez. E assim desceram de asa delta no Hyde Park de Londres, em 1984. E assim o Sakia-Muni ficou conhecendo a doença, a miséria, a velhice e a morte, pois foi dormir aquela noite no albergue do Exército da Salvação. Naquela madrugada se iluminou. E Xarope Xará de hoje ( quer dizer, de tanto tempo ) que conhecia a desgraça humana e nunca tinha se iluminado. Por isto admirava o Buda e compusera aquela canção. NEW DARLING PLEASE GENERATION BAND O Buda chegava no Piccadilus Circus vestido de punk tibetano. E Xará corria atrás de uma panqueca azul que girava em círculos e que viera seguindo desde o Hyde Park. Ela cantava numa banda post-punk. O Buda, que brilhava dourado, resolveu pregar uma peça de maya, a ilusão, na rapaziada. O guitarrista estava esperando a panqueca para irem almoçar juntos. Era um rapaz magro, alto, que viera do norte da Inglaterra tentar a vida de músico. Tem uns dezesseis anos. Seu nome: Henry Morrissey Miller. Cabeleira ruiva, tom decidido na voz: _ Venha com a gente. O som num pub do Soho não agrada muito ao Henry. A panqueca se desculpa e olha pro Xará a dizer: exigente o rapaz. Henry Morrissey parece interessado nos broches que Xará traz no peito: condecorações nova-iorquinas. Lhe pergunta onde conseguira e Xará sorri. A panqueca pede um cake. _ Me condecoraram num gueto por ter descoberto o segredo da América. _ Mas que segredo, que todos não saibam ? _ replicou Henry Miller cético. _ Você beberá agora ! _ redarguiu Xarope Xará. Intervalo silencioso. _ Me conte, se me consta, você foi escritor na outra encarnação. Por que esta pressa de voltar à Terra ? _ Sim, Xará é o seu nome ? Sim, reencarnei em tempo record para sair no Guiness, o livro dos records. Não, gracejo, o fato é que todos estão aí. Vim pra ser músico e criar a NEW DARLING PLEASE GENERATION BAND. Aquela menina ( a panqueca tinha dado um pulo no Piccadilus ) é a George Sand: minha companheira ! Georgette vinha chegando. Trazia uma fita para ouvirem. Colocou o headphone nos ouvidos do Henry. Henry fechou os olhos e num momento Xarope Xará viu o velho escritor sentado em sua varanda de Big Sur. _ Tá boa. Mas falta alguma coisa, ainda. Invenção ! I I Quando o Big Ben soa as dez badaladas o rio Tâmisa entra em cena, os três descem do ônibus de dois andares e se dirigem ao estúdio King's Sound, em Abbey Road. George Martin III já os aguardava em sua pontualidade britânica. Alguns hindus passam pela porta. Xará pensou que gostaria de ser hindu. Entraram. Havia um belíssimo xilofone verde-metálico ao lado do órgão. Henry apontou-o. _ É seu, Xará. Vai mostrar o que sabe fazer. Xará olhou pro espelho no fundo da sala e não eram só os quatro que estavam ali. Mas muitos. Era um espelho encantado. Será que os outros percebiam ? Georgette no espelho era esplêndida. Morena alta de longos cabelos negros. Henry era um chinês baixinho e o produtor estava de costas. Enquanto isto Henry tinha acendido um cachimbo e folheava partituras. No espelho o chinês opera uma pequena máquina manual de cunhar moedas. Xará observa a cena com um prazer danado. O chinês baixinho separava as moedas em grupo de vinte. Agora se aproxima uma mulher também chinesa que coloca as moedas numa bandeja de bambu e leva-as embora. Aquilo duraria muito tempo. No fim do dia a mulher se despediu do baixinho. Abriu a porta. O céu celestiava o azul. Havia um morro em frente. Ela apontou em sua direção e desta vez olhou nos olhos de Xará e transmitiu uma mensagem. _ Eu sei que você está me vendo. Sou sua alma gêmea. Eu sou a Filó. É só você caminhar até o espelho. Você pode vir para cá. Lembre-se. Xará se sentiu mal naquela roupa punk. Não estava mais se identificando com aquilo tudo depois de ter estado frente ao espelho mágico. Pensou assim: ou encanto a todos ou quebro o encanto. _ Ei, Henry, Georgette, olhem para o espelho. Henry interrompeu a leitura da pauta. Georgette que fumava sentada na poltrona se sentiu incomodada. Mas Henry se levantou e foi se dirigindo até o pé do espelho e atravessou. Sim, passou pro outro lado e foi se esfumaçando e sumiu. Georgette gritou: _ Henry, onde foi você ? " A chinesinha me olhava nos olhos. Era bonita. Seus olhos tinham uma beleza sem par. Me chamavam ". Georgette tinha aberto a porta e fora procurar o Henry lá fora. " Eu me levantei. Deixei o xilofone verde-metálico para trás e me dirigi até o espelho. A chinesinha estava morrendo de felicidade. _ Vem, dizia em chinês. Vem, que eu te espero há muito tempo. Vamos passear no morro Chin-li. Peguei na sua mão e entrei no espelho. O primeiro passo lá dentro me fez sentir aliviado, em paz. O chinesinho baixinho se dirigiu a mim, sem se deslocar de onde estava, ainda cunhando moedas. _ Eu sou o verdadeiro Henry. Me projetei para aquele tempo caótico do século XX para lhe trazer até aqui. Você estava identificado naquele personagem punk. E a panqueca Georgette se perdeu por lá. Foi procurar o Henry lá fora. Não conseguiu penetrar no espelho. _ E agora, está perdida para sempre ? _ perguntei. _ Não se inquiete, Xará. Vê, Pin-Xi gosta muito de você. Você nem sabe o quanto. Vão ser muito felizes ali no alto do Chin-li. Eu continuarei aqui cunhando minhas moedas e escrevendo um livro de filosofia pragmática. Quero que você quando regressar ao tempo XX não fique perdendo tempo. Você já compreendeu o caráter precário das identificações temporais-culturais. A chinesinha me chamou mas o papo com o chinês baixinho estava muito interessante. Peguei na mão dela e a fiz sentar no tatame. O chinês baixinho continuou. _ Nós lá fora vivemos a ansiedade natural. Eu mesmo agora, na pele do jovem Henry quero criar a New Darling Please Generation Band. Um garoto de 16 anos, coisa e tal. Nervoso, preciso fumar muito, talvez morra aos 21. Mas quando chego no estúdio, acendo o meu cachimbo, sinto algo diferente. Uma sabedoria me toma conta, parece que encontro o sentido. E na verdade estou sempre aqui a cunhar as moedas, sem pressa. Calmo, aqui, não ? Xará tinha que concordar. Levantou-se, cumprimentou o baixinho e saiu abraçado com a chinesinha Pin-Xi. O dia lá fora estava tão lindo ! Passarinhos cantavam ! Rouxinóis ! Filó dobrou a esquina da Vieira Souto e viu o Charles folheando uma revista na banca de jornais do Raimundo. _ Compra ou num compra ? _ brincou Filó. _ Oi Filó, tava mesmo afim de falar contigo. Vamos tomar um drinque no Guanabara. O drique era cerveja mesmo. O sol ameaçava derreter o asfalto ! _ Diga aí, Charles _ Filó tava ansiosa por viajar e já curtia o cumprimento dos baianos ! _ Ah, virou baiana, né ? O meu avô que era português era: então, o que o minino vai beber ? Uma imperial né, vovô ! Ele ficava satisfeito que imperial lá é chope. E bicha não é viado. _ É o que ? _ Acho que é fila, já me esqueci. _ Charles, tô preocupada com o Xará. Depois que andou tomando umas ervas esquisitas na União do Vegetal tá tendo uns sonhos ultra-esquisitos. _ Um por exemplo. _ Sonhou por exemplo que o Atlântico invadia todo o litoral até o planalto central e só sobrava ele e eu. Feito Peri e Ceci do Guarani. _ Tô sabendo, daquele livro do José de Alencar que a gente era obrigado a ler no ginásio. Podes crer ! _ Que que cê acha, Charles ? _ Filó, se eu for te contar as minhas estórias como elas são na verdade me internam no Pinel. _ Ah, Charles, você não leva mesmo nada a sério. _ E as filmagens, como é que vão ? _ Bem, obrigada. Só que o Xará desapareceu. Desconfio até que ele foi pra Amazônia tomar a tal erva esquisita com o pajé da tribo dele ! _ É possível, é possível. Mas vocês não iam pro carnaval da Bahia ? _ Agora já era. _ Bem, se você for ainda, não se esqueça de dar um beijinho na Lau de Mar Grande por mim. É, Big Sea ! Quem seria, ou melhor, quem é o guerrilheiro azul ? Um típico habitante de Vênus, um guerreiro do Amor ? No seu peito o uniforme revela uma estrela branca. Um zipper desce da base do pescoço até a base do sexo. O guerrilheiro azul troca de roupa dentro da cabine magnetrônica, aquela ( porque tem outra ) que repolariza os íons celulares. Filomena olha pela escotilha e vê a baía de Guanabara ( a única ). Está tranquila, masca chicletes Adams e pede ao comandante que vai colado a uma imensa janela redonda que se movimenta para qualquer lado, para telefonar pra sua casa. Faz o gesto característico e o comandante sorri. _ Pode falar, nega. Na outra encarnação fui passista do Salgueiro ! Desta vez Filomena balançou um pouco as cadeiras. _ O que, tu tá querendo gozar comigo ? _ Que nada. Nego do morro tem evolução espiritual ! Cê num conhece Cartola ? E o mestre Nelson Cavaquinho ? O guerrilheiro azul acaba de entrar no primeiro salão e ouve o final da conversa. _ Vgds kjuig dghjk ( Que língua louca, Filó pensou ) O comandante fica sério, gira a janela para o lado esquerdo e avistam a baía de Todos os Santos em Salvador. _ Você não queria uma carona pra Bahia ? Olha ela aí ! " Bahia, os meus olhos estão brincando Meu coração palpitando De tanta felicidade Terra abençoada pelos deuses E o petróleo a jorrar " O samba sincopava a nave venusiana que se confundia com a estrela Dalva naquele belo pôr-do-sol do porto da Barra. _ Vamos te deixar na lagoa de Pituassu, gatinha. _ Sério ? _ Ha ha ha _ riu o guerrilheiro azul, e o comandante em flash-back com ressonância : ha ha ha ha ha ha. _ Mas antes tens de fazer amor comigo. A-MOR-CO-MI-GO-O-O. Germinaremos aqui o embrião da nova raça. A New Darling Please Generation Band ! _ Oh, guerrilheiro azul, você é tão charmoso. Eu não resisto ! E deu uma beijoca estalada na bochecha do moço. Uma lagoa é algo assim como água em abundância e paisagem. É onde nos lembramos de nossa origem num gorjeio de pássaro. É onde os grilos à noite saúdam a nave que pousa. É onde os seios de Janaína se banham e a lua e a estrela refletem nas folhas dos coqueiros e instituem o brilho natural da natureza ! Pituassu. Lugar mágico que não cabe neste livro mas este livro caberá nas suas margens oferenda a Oxum. Oxum gosta de presentes principalmente de espelhos. Por que você não reconhece seu Criador, Franjinha ? Precisamos derreter os nossos corações, é tão bom. Um espelho é também um lugar mágico, convenhamos. No espelho mágico só olha quem quer ver o outro lado ! Os pingos de chuva caem na lagoa ímã e Filó dentro se entrega ao prazer de senti-los nos ombros e na cara. Mergulha e quando seus olhos piscam já de fora sente novamente os pingos na cara. Agora nada em direção à casinhola do Paulinho Bandeira e ouve o som dos Velvet Underground agigantar-se na noite. " Hey Mister Rain ... ", não entende o resto. Acorde final é quando pisa no fundo e os pés buscam apoio no lodo. Ui, tá frio, Filó se enrola na toalha felpuda e vê duas brasas de cigarro gingando pra lá e pra cá e um sussurro de conversa que se propaga desde o outro lado onde fica a casa do Milton e da Neuza. Comentários sobre a festa que a Jane vai dar. O som dos Velvet Underground volta e embola com a conversa e Filó cruza no mato escuro e dá boa noite. _ Já achou o Paulo, Filó ? _ Parece que ele foi mesmo pra Espanha. Jorge Mau colocou as telhas e tá morando na casa dele. " All right, all right" Filó acordou de rango e foi direto pra cozinha fazer um mingau de tapioca. As palhas do coqueiro batiam na janela tava ventando. O barulho do mar chegava sem ser convidado e trazia uma certa insegurança. Afinal Filó pisava a tênue linha que separa a América do Atlântico Sul. O mingau já tava grosso, mais um pouquinho de canela e açúcar cristal. Hum, tá bom. Paralelo à prateleira, mais acima, a vara de pescar do Abacate servia de mastro para uma teia de aranha. Findo o mingau começa o dia de Filó. Vestir o biquini e ir pra praia dos artistas jogar frescobol com a Ró. O sol queimando e o mergulho nas ondas espumantes de cerveja da boca do rio. Era verão. O barro vermelho mesclava com a areia branca que o vento trazia das dunas. A presença do calor introduzia uma vibração logo acima da pista de asfalto. Dois morros laterais abriam um canal para cima um vértice para não dizer vórtice do infinito azul e mais tarde à noite ao universo estelar. Filó já pisava a areia molhada ao redor de pequenas poças piscinas naturais deixadas pela descida da maré. É quando encontra a Ró a jogar o frescobol com a Jane. _ Jane, a Filó quer saber do Charles Pará. _ Dei pro Clodô ler. Agora só indo até a Literarte, Filó ! Filó seguia até onde pousava a Esther que comentava sobre a última sessão de auasca, a bebida ancestral da Amazônia. O cacique da tribo de índios que pairava sobre a lagoa ( no plano astral, minha gente ), só Teresa é quem via ! Ela tomava o auasca bem ali na lagoa e descrevia as cores do cocar e das penas nos tornozelos eram de arara. Nos punhos de papagaio. _ Que baseado, que nada, Filó. Auasca é onda espiritual. De pajé. Filó não conhecia ainda a Amazônia, que pena. Mas sempre que dava ia à estante do seu Mário e via o livro de fotos dos últimos índios descobertos. No Suriname, parece. O nome oculto da Guiana Holandesa. _ Leguelé, você é vizinho da Mabel, lá no alto de São João, num é mesmo ? A mãe do Leleco, pois é. Dá um recado pra ela, que eu apareço lá no sábado. _ Tudo bem, minina. Mabel pega a mão de Filó e a faz subir a ladeira que passa ao lado da casa do Milton e da Neuza e por entre bravos coqueiros chegam à pequena comunidade dos libertinos do amor divino. Na venda do seu Balbino param pra tomar uma coca-cola que o dia tá quente como os diabo. É quando Franjinha surge mascando capim com os dentes esverdeados vindo o Jorge Mau mais atrás. _ Já tô atrasado, Franja. Tenho que ligar o projetor da fundação cultural antes das duas. _ Falô Jorge, agente se vê logo mais. _ Jorge, esta é a Filó e tá procurando o Paulo. _ O Paulo foi pra Madri. Me mandou uma revista. Madri me mata ! ! Já eram cinco da tarde e é Filó quem toma conta dos filhos da Gal e da Mabel. Pedro Pituassu toca violão na frente da casa, uma autêntica canção praieira. E é tão difícil encontrar a autenticidade neste mundo de aparências de onde veio Filó. Tudo bem ! LUA TAKE FIVE Noite de lua. Beira da lagoa de Pituassu. Ao violão Gilson Gaspari. No bandolin dona Jane Peixoto. Neuza e Ró fazem o coral. " Uma mulher me quer naquele lago azul água azul Uma voz a chamar Pudera, triptonauta voltará " _ Filó, você conhece a Ediane ? _ Ró franze os olhos, mas não é a francesa que curte com o Bandeira. _ E a caretona da Laécia ? _ Podes crer. Triptonauta voltará ! Esta ele fez pra Rosana. Uma nuvem cobre a lua. Tem forma de dragão. Um baseado passa de mão em mão. Filó não quer. _ Ah, ela é careta. _ Ró dá risada. Passos de um pássaro fora d'água. _ Clodoaldo, você por aqui ? _ Jane até interrompe o maravilhoso dedilhar do bando. _ Passei na casa do Paulo, mas ele não está. Dizem que foi pra Espanha. _ Clodoaldo, você me prometeu o Charles Pará e ... _ Chii, deixei na casa da Ediane. Fiz uma entrevista com ela pro Jornal da Bahia. Eu e o Béu Machado. _ Milton toca o Take Five que o Clodô tá emocionado ! Um boeing 007 abafa o solo de Jane. Ela cutuca Filó : _ Manda teu pai desviar a rota da próxima vez, tá legal ? Filó acha graça. Se lembra da Rosana, que o pai era comanante da Varig. Ou é advogado e não tem nada a ver ? _ Quem é a New Darling, hein Filó ? _ Clodô já fazendo as suas análises, né Clodô ? _ Ró sempre curtindo com a cara do Clodoaldo. _ Milton, please ! _ Tira os óculos escuros que acabou o disfarce ! TUM TUM TUM TUM TUM TUM : Take Five Now ! Apocalipse depois. DIAS DEPOIS Filó desavisada entra na galeria Santo Amaro da Av. Sete e se depara com uma livraria gira. " Literarte ". " Tô tão despassarada ( que língua é esta ? ). Já ia me esquecendo de comprar o Charles Pará ". Uma data de livros cascata da nova cultura. Filó está curiosa para ver se acha-o logo. Lá está ! No canto esquerdo de quem entra, sobre uma bancada lilás. O dono da livraria, o Getúlio, se aproxima. ( A Ediane diz que o Getúlio é do nosso outro planeta ! ) _ Estes são os do pessoal mais novo da Bahia. Mas não é literatura regional, não. E você é de onde ? Não parece ser baiana. _ Sou do Rio. E vim justamente atrás do autor deste livro. _ Do Paulo Barata ? Não me diga que você é a Filó ? Filomena sorri de um jeito que a denuncia. _ Por que esta cara de espanto ? _ É que isto está escrito aí no livro. _ Isto o que ? _ Você ainda não leu ? Não é possível ! _ Não li, e por falar nisto você vai me fiar dois exemplares que um vou levar pra Lau de Mar Grande. _ Tá legal. Tudo bem. Porreta essa ! Eu imaginava a Filó completamente diferente. Quer dizer, você é uma musa, tá se vendo. Me perdoe a curiosidade, por que que você veio atrás do Paulo Barata ? _ Não foi ele que me separou do Xarope Xará ? Mas vamos mudar de assunto. Tá vendendo bem ? _ Tem vendido. Vou encomendar mais uns à editora de Lisboa. Quem vende bastante é aquele menino, o Jerônimo, na porta do teatro Castro Alves. Amanhã tem show do poeta Mautner. Você tá na casa de quem ? _ Em Pituassu, com a Jane e a Ró. _ Minhas vizinhas ! _ Então a gente se vê lá na lagoa, Getúlio. Muito prazer. Tenho que ir andando. Atrás de mim vem o lobo mau ! Onde acho umas sandálias porretas ? Na praça Castro Alves Filó desce até a Barroquinha e depois sobe de volta e vai até a amurada. Que visual ! A baía de Todos os Santos. Do outro lado fica a ilha de Mar Grande. Cheiro de azeite de dendê, é a África rebatida no pingue-pongue dos orixás. Orixá pra cá, orixá pra lá, Xangô pra lá, Oxossi pra cá, Oxum pro lago, Iemanjá ao mar. Olorum é a rede branca : por aqui Exu não pode passar. Exu é o mensageiro dos deuses, no fundo um Xarope Xará, quando faz o papel do mensageiro alado do País de Badezir. Tá tudo preparado para Filó se sentar ao pé da estátua do poeta e abrir o Charles, em simultâneo com você, leitor ou leitora, meus amáveis cumprimentos. SOLTARAM XAROPE XARÁ, SOLTARAM XAROPE XARÁ FREEDOM ! Esta era a manchete do New York Times do dia 6 de Dezembro de 1983. " Durante o show da cantora negra e gostosa, a Diana Ross, no Central Park de Nova York, foi preso o indivíduo auto-nomeado Xarope Xará, que descera das nuvens flutuando numa asa delta e pousara sobre o palco armado ao lado do lago exatamente quando a cantora entoava " GOD BLESS THE CHILD ". A cena foi filmada por Andy Warhol e pela NBC simultaneamente ". Interrogado sobre o acontecimento o Sr. Norman Mailer de Carcavelos muito se admirou da prisão pelo fato do pouso ter sido num solo que se vangloriava do seu alto percentual de húmus criativo. Mas quem melhor interpretou o enigma foram os esquilos do Central Park. _ Hey, George, sabe você por que foi preso o Xará ? _ Yá, como não ? A estátua da Liberdade está interditada para obras. Suspeitas ! Mas claro ! Thank you, esquilinhos, Xará escolheu mal a hora de descer em Nova York. Xará ou o Destino ( aquele Deus grego ) ? Xarope assediado pelos fotógrafos e repórteres no dia de sua libertação disse que não viera para substituir o Clark Kent e só voaria nos céus de N.Y. por puro prazer. Puro Prazer. O que viera fazer em N.Y. ( I love N.Y. ) só mesmo Deus e ele sabiam. Missão secreta que pode ser revelada a todos aqueles que lerem estas páginas reveladoras. Bico calado ! Xará após fazer relações analógicas computacionais entre sua asa delta e o lendário tapete mágico, depois de ter consultado o I CHING e depois de ter visitado Aladim e sua lâmpada numa mesquita de Bagdá compreendeu que o segredo da expansão imperialista americana residia no poder dos poderes emanado de uma aparentemente simples e despretenciosa garrafa: vocês que são sagazes já perceberam que se trata da sua preferida Coca-Cola. E que o gênio dela está a serviço do Tio ( de quem ? ) Sam. Documento secreto encontrado por Xará numa Biblioteca iniciática ( pra lá de akáshica ) Diz: CARAMBA CARAMBOLA INVENTARAM A COCA-COLA ! Gerador mental potentíssimo, Nova York mítica precisa do seu Super Homem para equilibrar o Bem e o Mal na balança da Justiça. Xarope Xará avisara que só voaria nos céus de N.Y. por puro prazer. Com Marilyn, por exemplo. _ Alô, Marilyn. _ Diga aí, Xará. _ Você já foi à Bahia ? Então vá. _ Ah, a Bahia de Carmen Miranda, prima do Zelito. Bem, meu nome terrestre é Norma Jean. Sou uma pessoa que perdeu o contato com as pessoas. Me transformaram num mito. Sabe o que é isto, Xará ? Minha beleza venusiana era uma outra eu que me transformou em sua escrava. Gosto de você, Xará. Papo firme. Gosto que você investigue os mitos deste fim de mundo. Sabe, eu escrevo poemas. Anota um aí na tua asa, tá ? _ Sabe, Marilyn, eu sou apaixonado por você. Creia. _ Mas tantos o são. E daí ? _ Te levo pra onde você quiser na minha asa delta. _ Então me leve pro Congo. Quero conhecer o bicho da Metro. _ Um leão, Xará, um leão. Socorro ! _ Que enrascada. A gente não tava na matinê do cinema Olímpiaaaaaá. E agora pra desenrascar ? _ Voltar como, Filó ? A minha asa delta tá voando por aí com a Marilyn. _ Você me traiu com ela, hem seu safado ! _ Que nada, Filó. Só tirei umas fotografiazinhas para um calendário ! _ Seu bobo, e eu transei com o guerrilheiro azul e não engravidei ! _ Olha lá ela. Que beleza. É de arrepiar. Está tão longe. Tá virando a estrela Dalva ! _ Nem por isso. Vamos curtir o pôr do Sol no farol da Barra ? _ Vamos é tentar o barco de Sacy-Purã para atravessarmos o mar da ilusão. Lembre-se que ainda estamos no Congo. _ Belga ? _ Sei lá, Filó, que pergunta ! Tanto faz. Tamos no meio da selva. Quem sabe o Tarzã não vem nos ajudar ? _ Ah, chega de mitos americanos, Xará ! _ Você não sabe que vou fazer sucesso em Hollywood, ei, tá me ouvindo ? _ Ah, vamos fazer amor ! A CHINESINHA Pin-Xi a chinesa broto de bambu flor de pecegueiro canto de um rouxinol sey-teng macrobiótico arroz integral azul de orquestra de pássaros virgem paisagem sobre o monti Chin-li casa de bambu vento leste dindilhar de contas dependuradas à porta você é estrangeiro brejeiro menino ao pé da mãe tatame no chão sopa de varicelles na mão chinesinha sorri doçura na noite canto na noite me leva pro quarto da varanda a lua tinge as paredes de leite detrás do biombo a pomba se desnuda depois levanta os lençóis e abre uma tenda tira a venda e se mostra à visão ocidental. _ Ouve o som dos rouxinóis ? Um beijo chiado chinesinha enrola língua na minha me bole o sexo com a mão coberta de pétalas de jasmim flor despetalada vermelha avança " te encontrei o que não seria de mim " depois de madrugada o sol se levanta a manta os dois onde havia uma só energia tantra canta na mata Brasil Oxum-Oxossi da África do Sul marinha mercante me leve pra lá abacate Zumbi das Palmares Xará acorda e parte, chinesa acorda e não vê Xará que pulara da janela e voara pra qualquer estrela do Cruzeiro do Sul se preferirem aquela menor de dentro da noite Agora, olha o prateado do mar. Que noite linda ! As estrelas conversam com ela. Cada estrela tem uma nota musical e quando fala emite a nota e esta conversa com você, Filó, ( você agora acredita ? ), compõe ( ou executa ? ) uma sinfonia maravilhosa que nem Brahms ousara imaginar. Mas você, leitor, com certeza a imaginará ! Filó se pôs então quietinha a escutar a belíssima conversa dos pirilampos ( é que as estrelas piscavam depois de emitir os sons ) e foi mergulhando dentro de si e quando abriu os olhos lá dentro quem foi que viu ? Uma mulher azulada com um turbante de pérolas. Longos cabelos negros ela fez assim com o dedo, pedindo pra Filó se aproximar. Filó se sentiu magneticamente atraída por aquela deusa e passou por um corredor aquático, um tubo encaracolado de plantas esdrúxulas e peixes multicoloridos e fosforecentes. I _ E _ M _ A _ N _ J _ Á " É dia dois de Fevereiro, é dia de festa no mar ". A deusa está se preparando para receber os presentes que o povo da Bahia lhe joga ao mar em agradecimento por graças ou pedidos. A praia do Rio Vermelho a esta alturaa dos acontecimentos está apinhada de gente, a maioria de branco, que joga flores nos barcos dos pescadores que largam a praia em batuques de atabaques e carregados de presentes para a Mãe Iemanjá se dirigem ao mar. Mas quem já viu Iemanjá ? Fora alguns videntes privilegiados e os que morrem no mar, corajosos pescadores, a nossa heroína Filó tem a rara oportunidade de ser convidada ao Palácio de Iemanjá justamente no dia da sua festa realizada pelos homens. E Filó foi feita filha de santo no Palácio de sua Mãe. Então já que se tornava filha de Iemanjá, ganhou alguns perfumes, espelhinhos e estrelas do mar. De quebra. Olhando para o alto Filó via os cascos dos barcos e os presentes descendo em sua forma verdadeira onde se podia perceber o verdadeiro sentimento da pessoa que entregava. Uns eram tão cheios de devoção que se destacavam. Estes Iemanjá pessoalmente recebia e os colocava entre os seios por um momento. As princesinhas do mar todas sorriam e as ondas se tornavam mais graciosas e espumantes ! Filó abriu os olhos, agora os de fora. O mar estava calmo e o barco se aproxima da praia. É um dia quente e o sol queima os corpos. _ Ué, cadê o Xará ? Ah, já sei, vou visitar a Ana do Lázaro ali no alto da Sereia. Enquanto o Xará não aparece. É uma. LUZ Filó gosta muito de história, só não entendeu até agora o seu papel no livro. Que força estranha a fizera realmente vir até a Bahia conforme o que está escrito ? Parece um sonho. Que vivia um sonho sonhado por alguém que no fundo a amava. Com os olhos fixos no horizonte Filó medita nestas coisitas. " Parece poema de Fernando Pessoa. Viagem dos poetas pelo eu que sonha acordado. Por que não dá pra conversar essas coisas de cara ? " Lhe sopro : é só escrever e tocar o ponto do espelho. Neste ponto vibram todos os personagens que a máscara oculta. Por isto o carnaval que acontece nesta praça é tão louco. Por isto a Bahia é mágica. Olha lá a Elba Ramalho. Vamos conversar com ela. Elba, você quer saber o segredo do teu mistério de ave-pomba canora ? Sim, aqui é possível, mas depois desta frase ou na quarta-feira de cinzas, tudo se esquece, até Jesus ressucitar na Páscoa e nos abençoar. Por isso a morte, Filó, não existe, não tenha medo no te sentir um sonho sonhado por alguém que te ama na totalidade. Podes mergulhar neste mar ou amar infinito no segundo que cruzas com Ele. Atitude beata ou beatitude ? Se a beata da Igreja de São Francisco estivesse em beatitude que nem o Francisco de Assis... É isto o que Filó procura. O gozo do ser. Teve que vir até a Bahia. Alquimia do amor. É isto acontecer pra que Xará e Filó se casem dentro de mim e eu seja feliz para sempre. Quem sonha e quem é ? Deus ? Esta palavra choca. O ovo. Aquela menina que se olha no espelho e não vê mais o seu rosto. Deus. Choca o amor. Suingue ! Dança dos corações. Luz. OS LIBERTINOS DO AMOR DIVINO _ A Ana está meditando. Você veio da festa ? Quem abre a porta é Lázaro, com o estojo do vídeo a tiracolo. _ Eu vou lá agora. Preciso de algumas cenas para o documentário da tevê. Comé qui tá ? Filó sorri : Tá como Iemanjá gosta ! Ouve-se uns passos no alto da escada. ( A Vila Matos tá movimentadíssima. Ainda são muitos os que passam levando flores para Iemanjá ). _ É a Ana. Tchau. Logo mais a gente sai pra tomar umas cervejas. _ Oi, Ana. Tava meditando ? _ Um pouquinho. _ Ana sorri e puxa o cabelo para trás. _ Que meditação é essa ? ( Alguém meditando num lugar daquele a uma hora dessas ! ) _ Entra, Filó. São oito horas da noite e a noite de verão tá gostosa. Uma brisa mansa vem da Bacia das Moças e abraça aquele lugar. Filó sobe as escadas. Algumas plantas no corredor, posters da Bolívia decoram a parede. Ouve-se Pat Metheney. Baixinho. Na sala algumas pessoas estão sentadas em silêncio. Inclusive um senhor de óculos caretíssimo que Filó tinha visto na escola de música do Campo Grande. Começou. Quem está falando é o Germinal, o cigano de Pituassu. Mas agora Filó sente que é um momento especial. Que todos se ligam em algo mais que está no ar e não exatamente nas palavras dele. Tem um sentado no chão que morre de dar risadas. É o Edgard. O que tá na frente, agora, é um garotão do porto, o Marquinho. Parece muito sincero no que diz. Todos ouvem atentamente e Filó está se sentindo muito bem. Que coisa boa ! Bem, parece que terminou. Todos conversam muito e a Filó comunicam que a próxima será na casa de Lenira, quinta-feira. Ela reage : _ Mas quinta é dia da festa do Bonfim ! _ Bonfim. Jorge Bonfim. Meu avô foi poeta. Português, da roda de Fernando Pessoa e Mário de Sá Carneiro. Eu sou negro, né ! Músico. Vamos até a varanda. Vou lhe cantar um reggae de minha autoria, o " Libertinos do amor divino ". Sim, Paulo Barata, claro que conheço. A letra é dele. PLIM ! PATOTINHA Já era tarde. Filó sai com Jussara, Jô, Marcinho, Diva e todos vão pra festa na escola de teatro. Diva estuda lá e conhece everi bodi. Encontram Edgard que fala do seu novo projeto de filme, em 16 mm : o Lampião-Lamarca. Filó pergunta porque Edgard dava tanta risada lá na reunião da casa de Ana. _ É isso. Não dá pra explicar em palavras o que se sente com o coração. Eu tô no mesmo barco que você. É, acho que fomos fisgados. Fisgados, ha ha ha. E morre de dar risadas. _ Já viu o meu chapéu novo, Edgard ? É Jussara que chega toda dengosa. Vem Marcinho por trás e lhe rouba o chapéu verde. _ Marcinho, que isso minino ? Marcinho abraça Jussara e o som explode nos alto-falantes pendurados em cima das mangueiras nos cantos da quadra de futebol da escola. Chaka kan Chaka kan na Bahia. Jô já está em pleno ritmo acompanhada pelo Ariel. Diva rodopia pelos espaços astrais da canção. Os olhos deles brilham. Amor ou algo assim sem nome, inexplicável. O Todo. O tudo. Alô alô Bahia : estão me ouvindo ? Alô : Estou na Serra da Estrela, no meio de Portugal. Filomena já ia dormir quando ouviu estas palavras. Sacode Jerônimo que ronca ao seu lado. Este murmura sons esdrúxulos. Filó agora sacode mais forte. _ Ouvi, ouvi. Comunicações telepáticas da Serra da Estrela. É o Paulo. Tá em Portugal. Vou ligar pra Ana. _ A esta hora ? Tá maluca ? _ Maluquinha da silva. Agora já não durmo mais. Vou fazer um chá de erva cidreira. _ Filó, Filó. É Gal, a egípcia, que bate na porta. Às vezes passa a noita inteira acordada. _ Tem uns home ali tentando arrombar a janela da Mabel. _ Será possível ? De longe vem um homenzinho se aproximando. Parece um gnomo noturno. Gal tranqüiliza a Filó : _ É o Abacate. Não se assuste não. _ Tô atrás dum fuminho. Quem tem ? _ Abacate, a uma hora dessas ? _ Pois é, nega. Quanta estrelinha, quanta estrelinha. _ Estrelinha que nada, não consegui dormir. Vi dois homens querendo arrombar a janela da Mabel. _ Chii, é o Beleza. Tá solto de novo. A nona* tá de vacilo. _ Olha lá. Tão levando a televisão. Ninguém acordou. _ Eu é que não vou lá. Dois faróis iluminam o Alto de São João. É o Paulo Bandeira, o grego, no seu fusca de meia-noite quem chega. _ Se assustaram ! Largaram a televisão em frente da venda do seu Balbino ! _ Que que houve, minha gente ?! * delegacia da boca do rio _ Paulinho, você chegou na hora certa. Beleza já ia arrochando a televisão da Mabel. _ E Cheno ? _ Tão dormindo. _ Ah, não é o Beleza. É o Limpeza. Gal relaxa : _ Abacate, pega lá a televisão e vamos assistir à sessão das duas. Tinha unzinho escondido na barra da saia. A lua chapada no céu bole com a constelação de escorpião. Licor de jenipapo e amendoim torrado. " Qualquer dia desses eu volto ". Outra Mensagem telepática. Paulinho Bandeira, no tempo de Pitágoras que era o fino ! Numerologia e música das esferas no jardim das delícias. Quando Jorge Mau chegava com notícias de Atenas nossas antenas se espichavam para o alto e não havia zumbido patagônico que não captássemos ! My old friend, I believe in Yesterday. Exec Fcobol, Desenbanco e o cacete. E aquele sistema furado do Caruru ? Here comes the sun. Again and Again. Milton Gaspar, olhos azuis na corda mi do baixo. Ou melhor, violaxo, pois surge a melodia e o leão não ruge. Sou poeta como o verde é da esmeralda e você é músico com o azul da turmalina. Dona Neuza, pois é, há quanto tempo não vejo tv em sua sala Midnight Blues Pituassu. Jane, daquele cartão postal do Dürer você tirou o teu bandolim bando lindo que ficou pra trás no tempo na gravura da parede imagem de uma página que não vira. Ró perpetua o affair hippie no coração de cristal enterrado em Arembepe por todos nós. Ninguém se esquece mas todos fingem que aquele momento fugiu por entre os dedos ? Celso, o gnomo preferido de Beth, a força revelada do Verbo, " água do poço, liga a água do poço, Barata ". Mabelita, mãe de Leleco, um anjo turco-caboclo que quando se retava com a mãe cagava toda a casa e Mabel achava graça, ao mesmo tempo que puta da vida. Paradoxo contemporâneo de sempre, anjo-diabo a olhar firmemente pra luz. Privilégio. Cheno caladão mineiro que na sua sabedoria entreviu a mãe de seus filhos, pronto, depois de Leleco já nasceram mais dois. Lucas, e pergunto o nome do outro, mas não me escrevem. _ Barata, já rangou, quer tomar uma vitamina de abacate ? De porque a mente engana O tempo todo insana A isca na lagoa, peixe De porque o vento sopra A raiz brota da pedra da batata roxa De porque Mabel destila o mel na vitamina O olho na vidraça, poxa " Quando eu digo paz eu quero dizer a paz que está dentro de nós e que vem quando o homem está em harmonia com seu criador ". Pois bem, eu sou o autor deste livreto. Afinal, não resisti e me comuniquei com a Filomena e com o pessoal do Alto de São João, em Pituassu. Nunca pensei que uma personagem saísse em busca do seu autor. E logo eu. Vou confessar. Não devia estar a escrever a uma hora dessas de sexta-feira treze. Por que ? Estou com a cabeça estourada de tanto trabalhar naquela maquininha fabulosa que é o HP 250. Mas preciso dos setenta contos que vão me pagar no final da tarefa. Se eu contar vocês vão achar que é ficção. Mas não, que seja o meu diário, estou programando o sistema de contabilidade do Estado Maior das Forças Armadas daqui de Portugal. Eu, pessoalmente, meu maior sonho da infância era passar no exame de admissão ao Colégio Militar do Rio de Janeiro. Só passavam os melhores alunos ! Mas logo no meu ano de prestar exames a tal conceituada instituição de ensino ( Dona Maria Cláudia tinha me preparado bem ), foi abolida a admissão de filhos de civis. Era o ano de 1962. Me lembro do dia em que Marilyn Monroe morreu. Fiquei triste no jardim de minha casa brincando com pedrinhas. Eu também acreditava em Kennedy ! Depois disto tinha um militar marxista que eu admirava: Nelson Werneck Sodré. Lia os livros dele sobre materialismo histórico e dialético e achava uma beleza. Uma lógica perfeita, que depois eu só viria a encontrar no computador ... mas eu que ouvi do profeta Charles sabia que a estória era outra, que viria da América o barato do milênio, mesmo depois da morte de Hendrix e Joplin o sonho acabaria mas ... como sucederá este livro eu não sei. Invocarei o Charles Pará. Gostaria de mandar um abraço pro Marcinho que deve estar em B.H. . E um beijinho para Célia. Se for pra me casar, quero me casar com você ! E também saudações ao Jorge Mautner que curtiu o Jornal da Praia e ao Milton Gaspar, meu parceiro musical. Aos quatro eu dedico o " New Darling ". Sabe, a poesia tem uma fonte e dela jorra a aventura da imortalidade. Quero viver para sempre. Bye ! O destino tem destas coisas. Filó estava justamente indo pra Mar Grande conhecer a ilha que tem fama de mágica e também levar o Charles Pará de presente pra Lau que eu lhe pedira em comunicação telepática. Eram cinco em ponto e a lancha já ia partir. Filó desce a rampa e senta-se ao lado de um casal todo de branco. Olha assim meio de lado e dá um sorriso para os dois. A lancha começa a se movimentar e o vento embaraça mais ainda os cabelos de Filó. O elevador Lacerda se afasta, a cidade baixa também. Lá longe a igreja do Bonfim toda iluminada. Era sexta-feira. Por isto o casal está de branco, será ? Filó tem um relampejo. _ Perdão. Ouvi vocês falando de uma casa redonda. Você é a Lau ? Lau ficou muito impressionada com aquilo. Porque não esperava, além do mais não via o Paulinho há muito tempo. A mãe Vitória, que joga búzios ali na Federação pra adivinhar a vida da gente, sempre pergunta por ele e Lau, não sabendo responder, ao certo, diz: _ Sei não, mãe Vitória. Ô xente, deve estar bem ! Lau de Iansã, Filó de Oxum, fico imaginando daqui como as duas vão se dar. Vejo os três percorrendo as ruelas de Mar Grande ladeadas de mangueiras e cajueiros. Filó vai maravilhada olhando para tudo aquilo e pergunta pra Lau: _ Vocês vivem mesmo aqui ? _ Sim, lá no alto do morro. É um sossego, você vai ver. Salvador me cansa ! Chegaram. Do alto do morro se vê a Baía de Todos os Santos e lá no horizonte a cidade de Salvador mais parece um jacaré gigante ou um submarino emergindo. A uns vinte metros da casa redonda a nova casa de Lau e Raco debruçada da varanda para o espaço. Lau aponta com o beiço: _ O Charles morou ali. Na casa redonda. _ Lau, você conheceu bem o Charles Pará ? _ Ele gostava de mingau de tapioca e de tocar violão. Às vezes ficava por aí tocando com Raco. Raco toca charango que ele é peruano de Lima. O Charles nunca tinha os pés na terra, achava graça quando Raco chamava ele pra ajudar cavar o poço. Misturava tudo. Búzios, canndomblé, disco voador, hare krishna, auasca, sei mais o quê. Andava alucinado por aí. Sabe, lá no alto do morro tem um templo da Eubiose. Sociedade secreta, é. O Charles passava horas lá, até de madrugada. Sentado na amurada. Dizia captar mensagens dos deuses egípcios de Orion. Sei lá onde é Orion. Mas eu gostava dele. Achava meio doidinho, é claro. _ Olha o que ele mandou pra você, Lau ! _ Ah, o LIVRO DE CHARLES PARAH, com agá ! Chi, tem o Big Sea. Me lembro muito bem. Era quase meia noite. Eu e o Raco a gente vinha da casa da Mafalda. Conhece a Mafalda ? Não, num é a dos quadrinhos, Filó. É a costureira mucho loka que andou por aqui no tempo do Charles. No tempo dos argentinos bruxos de anéis escandalosos nos dedos. Raco que gostava de conversar com eles. Eu papeava com a Mafalda sobre amores do passado, presente e futuro ! ( Dá-lhe Lau ! ) _ Que foi, Lau ? _ Estranho, parece que ouvi a voz do Paulinho. Tão nítido. Bem, como eu tava dizendo tava eu chegando em casa e o Charles da varanda me chamou. Era lua cheia, pra variar. Aí ele disse: fiz um poema pra MAR GRANDE que é VOCÊ, LAU. Aí leu pra mim. Alô cura: quando cheguei de Big Sea meus olhos brincavam tal e qual bolas de papel vinha pelo canto esquerdo da página e atingi uma DUNA DOURADA daquele pó de carnaval Big Sea ficava entre um e outra faixa de consciência onde habitam os aliados dos loucos havia o templo no alto do morro eu morava na casa redonda cercada ( ula lau ) de flores amarelas naquela noite fizemos um som bonito e falamos da terra prometida americanos brasileiros chilenos Big Sea é uma terra inatingível pelos burocratas da cidade ali em frente de mim naquela estante mora castañeda quando cheguei em Big Sea havia 2 meninas e 2 bois na praia sonhavam e daquele sonho brando nasceram as duas aves do paraíso que foram pousar na cabeça de um general e cagaram duas bolinhas de cristal eco dinamizaram a paz no país as aves do paraíso falavam exótico: _ Where is BIG SEA ? _ HERE IS BIG SEA. E apontavam com o bico para o bico da outra e davam gargalhadas eco dinamizadas quando cheguei de Big Sea o coração e o pentelho das meninas eram de uma só cor dourados pelo sol bigseano não havia nada de novo porque não havia as coisas aconteciam dentro do ovo a explosão do ovo era pressentida muito agudamente pelos habitantes de big sea antes e depois do som que faziam e poc caía uma manga na cabeça de um deles e poc a lua remexia as folhagens e poc poc poc AH BIG SEA MUITA PAZ recuerdos habitar um lugar mágico eis transcrevo isto eis Charles Pará 1979 mar grande - bahia Quem é Charles Pará ? No devido tempo ele será apresentado ! Tudo tem seu tempo e lugar. Isto que aprendi no filme que me deram pra participar e assistir ao mesmo tempo que vocês. Posso comunicar. Na Bahia meu amigo Charles conheceu cinco princesas ou rainhas, no mínimo ! Sem ser por ordem de nobreza, grandeza ou afinidade: Lau, Maria Esther, Eulina Rosa, Ediane e a mais pobre ... Gal ! Gal foi princesa egípcia. Nesta encarnação não tem riqueza nem cultura. Seu pai morreu quando era miúda e ela ficou ao Deus dará. E Deus deu. O SEU AMOR. Um dia ela entrou na casa onde mora o Jorge Mau e ficou curtindo o quadro de um faraó egípcio pendurado na parede. Outro dia eu entrei na casa dela no Alto de São João e a vi deitada na cama. Tinha a pose de uma rainha. De Sabá. Ediane conhece mais que o Beabá. As outras não sei da procedência. Gostaria que Filó conhecesse todas elas. Não sei se Filó ainda recebe minhas mensagens telepáticas. Só vendo. Escrevo de uma pastelaria lisboeta. Dessas que no Rio de Janeiro se chamam confeitarias do tempo de minha Avó. É aqui que o tempo pára em Lisboa. Enquanto em Salvador, Bahia, a magia envolve toda a atmosfera da cidade, aqui precisa-se entrar no círculo mágico para acontecer a pastelaria. Ou o contrário. Fora, Lisboa é devagar, sem ondas, a não ser o Bairro alto... Filó, lá está ela, batendo papo com Lau espreguiçada na rede. _ Adorei o arroz, Filó. Agora vou ler o livro do Charles, Ah, tô tão cansada ! Mano, traga o suco de caju que tá na geladeira. É, debaixo da couve. Faz alguma coisa, Mano ! Poxa, como Mano cresceu. Conheci ele menino de sete anos. Raco, que tinha subido ao quarto, desceu a escada de madeira com uma foto na mão. _ Charles Pará e Gérard Gali. Que figuras, hein ! A música de Keith Jarrets cresce e todos se fixam numa foto que registro no meu cérebro: Lau lendo na rede, Mano com o copo de suco de caju na mão, cruzando com Filó na porta da cozinha e Raco tirando do baú uma máquina fotográfica último modelo transada em Nova York. Click ! O LIVRO DE CHARLES PARAH eu um burgu es des membrado vago no subs trato suco que es corre da pa rede des sendo ao chão mi ( n ) ando de ( o ) dor o apos ento da ra-inha bahia 1976 ter o que dizer implica em doer o Calar. Ah, bendito o sábio que não diz. Talvez seja mais fácil descrever a efígie ou perguntar à esfinge quantas vezes foi o eu devorado ? lisboa 1987 É incrível a exatidão deste mapa ou melhor a exatidão com que este mapa se transforma em paisagem E a paisagem percorro com olhos ávidos de contemplação Enfim, sou de novo poeta-escriba cúmplice de Nefertiti em Amarna Qual foi o rio que te trouxe até aqui ? O Nilo ou o Tejo ? Ouço o rumor das ondas e tudo é igual miniatura de Deus olhos de esfinge amor de um Sol Filó nem tá pensando em voltar pra Salvador. Mar Grande, Pituassu escolhem os seus habitantes e Filó pode passar uns dias lá e cá. Lau lhe diz que pode ficar na casa redonda. Tá anoitecendo. O luar é morno e dá vontade de dormir. Filó estende a esteira, arma o cortinado para se proteger dos mosquitos brabos, abre a janela e fica curtindo a lua. O templo da Eubiose está iluminado. Esfrega os olhos. Depois os fecha sem se dar conta e dorme. E sonha com o seu amado, o Xarope Xará. PASSION Filó-Isis olhou pela janela e avistou ao longe Xará-Íbis rondando a pirâmide. Ergueu as mãos em direção ao nascente ( a maneira egípcia ) e naquele ato captou a energia Ki necessária para alterar a rota de Xará-Íbis e trazê-lo até o palácio. Xará aterrisou no pátio do templo de Isis e esta já o aguardava no alto das escadarias que circundam o claustro. Subiu degrau a degrau sentindo um comichão na espinha. _ Você atingiu o último patamar da iniciação. Venha aos meus aposentos. Xará obedecu e seguiu tão encantadora figura feminina. _ Retirarei o meu véu para você me re-conhecer quando eu voltar no final dos tempos, ou do livro, como está escrito no topo da pirâmide. Olhe. Quem poderá descrever o que Xará enxerga se este fica cego diante de tanta luz e beleza ? Por três dias e três noites ficou às escuras mas ouvia a música divina que nunca tocará nas rádios FMistereo. No quarto dia Xará enxergou a lua, que era Isis no céu e no quinto ela própria penetrou no aposento de hóspedes e Xará pôde vê-la em toda sua intensidade. _ Não é a todos que retiro o meu véu, e na verdade são muitos, mas para ti desvendo o meu mistério, o meu corpo de deusa. Tal e qual. Xará contemplou aquele corpo de luz que irradiava dourado dissolvendo as paredes do quarto numa nuvem envolvente e lilás e sentiu que se fundia com a deusa e a sua consciência e a dela eram uma só plenitude. Depois foi assistir o filme Passion do Godard. TÃO VINDA DO CORAÇÃO Uma cerimônia se inicia dentro da pirâmide de Gizé. O Sol se põe no horizonte do deserto do Gibi, Xarope pousa no vertice do sólido lançando sua sombra de pássaro do delta do Nilo sobre os grãos de areia que roçam com o vermelho do poente e cintilam nos olhos de Rá e Nefertiti pressente a chegada de nosso herói. ( A XVIII dinastia aguardaria Xarope Xará ? ) ( Seria o pássaro íbis sobre a lua cheia que anteciparia as cheias do Nilo ? ) Akenaton tinha escrito um poema solar aquela noite enquanto Nefertiti dormia no seu leito sensual. " Do oeste virá o pássaro com seu canto nos despertar ". Dentro da pirâmide os dois se dão as mãos, o boi Ápis muge, o Sol racha em dois e são os olhos de Rá que se materializam no centro do triângulo desenhado sobre o solo. Rá de olhos de fogo de sua boca saem duas serpentes que descem e se enroscam pelo cetro do poder que foi parar eletrificado nas mãos de Akenaton e neste instante e cetro do mundo está fincado sobre o centro do mundo no fundo da pirâmide de Gizé. Rá se evapora em nuvem púrpura seus olhos se fundem num só Sol do poente que justamente ilumina a descida espetacular de Xarope Xará naquela tarde de 6 de Agosto do ano zero da dinastia Solar que inicia sob o signo do Leão. Nefertiti de frente a Akenaton abre as pernas e as palmas da mão e recebe uma corrente telúrica que percorre todo o seu ser e pelo centro de mil pétalas da cabeça escoa para o vértice da pirâmide de Gizé que projeta para o universo e reflete na estrela alfa de Orion um raio de rubi. Xará olha para baixo pelo bico da pirâmide e vê um universo de constelações em rotação e nebulosas estelares se condensando até formarem o Sol que se condensa até pousar em forma definitiva de ouro como coroa na cabeça de Nefertiti. A Rainha Solar. O casal magno provavelmente saboreando o néctar divino embarca na canoa Nilo a cima em direção à Tebas. É da canoa que Nefertiti avista Xará-íbis fazendo evoluções através de sucessivas camadas de ar até pousar na ilha da Palmeira, primeira de uma série que se dizem sagradas. Nefertiti ordena para que encostem o barco na ilha da Palmeira. O dia está de um azul intenso um jacaré cruza com o barco o seu olhar cruza com o de Nefertiti no momento em que aquele afunda a cabeça na água mais uma profecia cumprida e um suspirar de Akenaton. Nefertiti desce seguida de Akenaton e da escolta real. Xarope Xará está sentado no tronco de uma velha palmeira bebendo água depositada no caule de uma orquídea negra. É quando se apercebe da chegada da família real e de sua comitiva. O ar respira realidade e a ilusão se dissipa em volta até tocar o olho de Xará. _ Bom dia, pássaro íbis. Xarope Xará jura que nunca ouvira uma voz tão maviosa, tão vinda do coração. _ Bom dia Nefertiti. Bom dia Akenaton. Não sou o pássaro íbis, embora na minha origem seja um pássaro emigrante que cruzou os sete continentes em busca da fonte do Verbo, essência primordial ! _ Então, encontraste-a na Ilha da Palmeira ! _ De verdade. Contemplar o casal divino me faz sentir a vida pulsando no meu ser ! _ Voltas para tua casa, pássaro íbis. Para o teu ninho. E comunica aos seres humanos onde encontraste a fonte do Verbo na ilha da Palmeira. E que Nefertiti te revelou o segredo perante o manto de Akenaton o novo sol sobre a Terra. Dito isto Nefertiti virou as costas deixando as moléculas de ar à sua volta redondas e brilhantes. Akenaton já ia mais à frente, a canoa deslizava pelo rio sagrado, a lua iluminava a face sul da pirâmide e Xarope Xará não pode nunca duvidar de sua visão ! O PAÍS DE BADEZIR O País de Badezir é um imenso terreiro de umbanda. O ritmo dos atabaques, agogôs, cresce na noite tropical. A noite é densa de estrelas e o Cruzeiro do Sul desce e finca a ponta no centro do planalto, iluminando. Ele, que apontava para o navegador português a Cruz na Vela, revela, Caravela: O Fabuloso Templário. Caravela, o Destemido, que enfrentou o gigante Adamastor, assoa o nariz neste instante e tudo treme. As catedrais que desenham a constelação da Virgem, no solo da França, sorriem. Fátima, Senhora de Maio, Irmã de Oxum, Acalanto de um povo, não dorme sossegada enquanto não vir o Pessoa satisfeito. A realização do Quinto Império na Quinta da Boa Vista Olinda como é lindo o Sol nascendo no Ovo Central e o Glauber esmagava-o no filme e dizia: " Eu traí meu pai "! Não foi à toa que morreu em Portugal ! O País de Badezir é um imenso terreiro de umbanda. Pero Vaz de Caminha e Cabral afastam nas Águas o Espírito do Mal. Iemanjá, a nobre soberana, estende em suas vestes azuldas um outro Porto Seguro: Pelo ponto onde ainda estou Este vento sonoro Para o ponto onde sei que vou Este Porto Macio Eles passam eu não sei se sou Eles pensam eu não sei se vou Cruzando as águas do meu sonho A cachoeira, o arco-íris Pelo céu BRAZILIAN SONG O barco avança lentamente. Xará está na proa. O índio Maroí lançou o arpão. Os olhos o seguiam. Xará se debruçou e viu a Senhora do Rio. A Yara, mulher-serpente, gira em torno do barco provocando um rodamoínho. O índio começou a pular dando gritos " ô ôo o o ô ". A parte de trás do barco afundava água escura entrou molhando os apetrechos de pesca. Xará correu pra pegar sua bolsa mas não deu. Tropeça e cai na água. Ainda viu o índio Maroí pulando em cima do barco. Uma arara de todas as cores corta o rio e vai pousar no alto de uma castanheira, sem antes gritar a-ra-ra ! Xará foi laçado pela mulher-serpente. Sua cauda dava cinco voltas da barriga ao peito de nosso herói e de costas era arrastado pra beira do rio. Quando chegou na margem a velha feiticeira Paí lhe esperava. Seus cabelos desgrenhados, seus peitos murchos, a pele seca, batia no pilão uma poderosa poção de auasca. Paí não deu muita importância a Xará. Mas a cauda da mulher-serpente lhe deixou marcas no corpo. Por que viera parar ali ? Tava escuro. Uma fogueirinha iluminava o rosto de Paí. Sobre o caldeirão recitava uma cantilena. Xará não entendia bulhufas. Depois Paí olhou para lua, levou as duas mãos juntas acima da cabeça e rodopiou três vezes. Xará estava cheio de dores que a cauda da mulher-serpente lhe queimara o peito. Gemia um pouco. _ Beba, meu fio. É pra secar as feridas. Xará não recusou a emergência. Bebeu tudo de uma vez. Paí se admirou com isto e deu uma risada. Três índios guerreiros se aproximaram. Estavam lindamente vestidos com cocares de penas belíssimas verde, laranja, vermelha. _ Onorê caterepê doicã nu. Paí olhou pra lua e disse: _ Vê, meu fio, os caciques já chegaram Xará admirava a força que vinha do rosto de um guerreiro. Xará se sentiu protegido naquele lugar. Os índios guerreiros confabulavam. Paí preparou uma outra poção de ervas amazônicas e tudo transcorria no mais alto astral. A lua já havia percorrido um quarto de arco do céu. Uma estrela azulada se levantava no horizonte. Era a estrela do Maranhon. Paí tinha terminado a segunda poção. Desta vez a derramou jeitosamente numa cerâmica marajoara e caminhou até onde os três guerreiros estavam reunidos. A bebida circulou de um em um. Os três guerreiros se levantaram após terem bebido cada um a sua dose e se dirigiram até a beira do rio. Paí voltou ao caldeirão. Pegou noutra concha de cerâmica, enfiou lá no fundo e mostrou a Xará. _ Beba isto que é da Lei. Os índios guerreiros haviam mergulhado no rio. Já fazia bem uma meia hora mas Xará não se inquietou. Era da Lei. Paí estava deitada na rede e fumava um cachimbo de palha. Xará se aproximou. _ Do mundo que eu vim, Rio de Janeiro, um cartão postal pra você. Paí pegou no cartão que Xará lhe entregava. Xará indicou: _ Pão de Açúcar. Cá. Águas subir. Paí foi até o caldeirão e queimou o cartão no finalzinho do fogo. Voltou pra rede e acendeu um outro cigarro de palha no cartão em chamas. _ O teu mundo agora é aqui. Ouviu-se ruídos nas águas do rio. Eram os três guerreiros e traziam nas mãos muiraquitãs de jade. Foram buscá-los no fundo do rio onde as amazonas os preparavam. Estavam ainda moles mas daqui a pouco estariam durinhos de pedra. Eram amuletos de sorte que só os guerreiros levavam no peito. O primeiro índio guerreiro colocou no pescoço de Xará um fio de ouro. O segundo guerreiro uma argola de jade. O terceiro um muiraquitã encostadinho no peito. A feiticeira Paí lhe olhou nos olhos e lhe soprou: _ Eu não disse que você era da tribo encantada ? _ Erô, erô. O primeiro guerreiro apontou pra dentro da mata. Xará compreendeu que ele devia ir na frente. Não conhecia o caminho. Mas ... quando entrou na floresta pareceu-lhe que já a conhecia intimamente. Olhou pra trás e não viu ninguém. Neca dos três guerreiros. Seguiu em frente. Uma onça pintada lhe olhava do alto de uma pedra. Ita Xará. Já era de manhã. Chegou numa clareira onde estavam oe três guerreiros sentados em volta de uma fogueira que assava um veado. Os três agora olhavam para uma tijela cheia de um líquido amarelado. Xará se aproximou devagarinho. Também viu. Numa sala estavam dois homens conversando. Entrou um terceiro. Os três se dirigiram para outra sala onde havia um computador. Que diabo será isto, pensou Xará. O primeiro guerreiro olhou para ele e pediu que fizesse silêncio mental. Olharam todos para a tigeja. Eu estava vendo televisão. Repórter Esso. O Gontijo Teodoro dizia: _ Foi descoberta uma mina de urânio em Goiás, na reserva dos índios Xavante. O governo, através da Funai, dialogará com o cacique Joaraqui. Mudei de canal. Era 1969. O exato momento em que o homem Neil Armstrong pisava na lua. Passava uma nuvem escura em frente da lua. Paí se levantou da rede e guardou-a. Iria chover e muito. Eulina em Pituassu mergulhou na lagoa, Maria Ester passeava com Manhã, Fernando Noy escrevia um conto na varanda. Eram várias as cenas que se desenrolavam na tigela. Xará queria sintonizar uma em especial, mas o primeiro guerreiro olhou para ele e pediu novamente silêncio mental. Quem comandava a operação era sem dúvida nenhuma o segundo guerreiro: Pataxim. Pataxim, que trazia no pulso direito uma penugem violeta, segurou a tigela. A cena se fixou como numa tela de vídeo. Xará se aproximou mais e viu: Pena que eu não possa ver a cena da tijela. Xará tapa-me totalment a visão ! _ Ei Xará, o que você está vendo ? _ pergunto eu. Xará oplha para o alto da clareira. Os três guerreiros também se sentem observados. A onça pintada pula do alto da pedra Itaxará e corre em direção à beira do rio. A feiticeira Paí recolhe o caldeirão. A chuva desaba. É grande o temporal. As águas do rio vão se avolumando. A feiticeira Paí bate em retirada em direção à clareira. No meio do caminho cruza com a onça pintada que está desorientada. _ Quieta, quieta. A onça vem lhe fazer carinho. As duas vão emfrente. Quando chegam na clareira só encontram a tigela com o líquido amarelado. Paí pega na tigela e encosta nos lábios. De uma virada bebe todo o líquido. Ela também é da tribo encantada ! Toda Pituassu, a lua, e o Repórter Esso estão neste momento na barriga da feiticeira Paí. Aliás, o mundo. Os três guerreiros mais o Xará pulam do alto do ipê roxo. Ralham com a Paí. _ Vomita. Vomita E fazem Paí vomitar o líquido amarelo. Novamente na tigela. As águas estão subindo. Abandonam a tigela ali e seguem. Foi neste momento então que eu pude ver finalmente a cena. Bem simples, um beija-flor beija uma flor tatuada em volta de um umbigo. Paí coçou o umbigo que a ligava a sua mãe que por sua vez ligava a sua avó que por sua vez ligava a sua bisavó e assim sucessivamente até a primeira mulher. Por isto trazia uma flor tatuada ali. Representava a primeira mulher e dela recebia diretamente seus poderes de feiticeira. Paí ia atrás dos três guerreiros que seguiam Xará. Já se aproximava da taba e os macaquinhos faziam em fuzuê da chegada de alguém na tribo. Índia Xiló estava se preparando para o matrimônio. Era a nova primeira mulher, a mulher sem umbigo. As águas já passavam da clareira e muito. Tinham dissolvido em si o líquido amarelo e o mundo, a lua, Pituassu se dissolviam nas águas primordiais. Paí se tremeu toda ao ver a nova primeira mulher. De emoção. Depositou todos os seus poderes ao pé dela. Os três guerreiros depositaram seus arcos de guerra e Xará conhecia de tempos a Xiló. Era a Filó a nova primeira mulher ! As águas subiam, subiam e subiam. Só sobrou uma palmeira. Em cima dela Xará e Xiló. Novamente Cecy e Peri, novamente Adão e Eva, novamente Unah e Sarah. Na praça Castro Alves era carnaval e eu cantava no meio da multidão: " Que garota cheirosa Flor de primavera Que garota dengosa Devolve a minha costela Que Deus tirou de Adão Sem a sua permissão E o Diabo aproveitou a ocasião Criando a tentação " O PAÍS DE BADEZIR " Vindo de algum lugar o ente pintará de branco a casa da taba e fumará o cachimbo da paz. A primeira donzela que passar será sua e assim se iniciará a prolo de Oxalá. Lugar que não há haverá de haver depois de se ter dito tudo e da lacuna florescerá a flor do pântano apontará de onde descerão os deuses vindos de orion. Da brecha fértil canhões espadas miolos sangue adubam o charco sairá a flor e percorrerá os sete cantos do País de Badezir. Unah cantará seu canto sinal que se ouvirá lá e depois as frutas crescerão nas árvores e pomares se estenderão por toda a bacia do Grande Rio. Unah e Sarah escreverão seu nome no tronco da árvore mais alta do planalto e assim se iniciará a nova geração ". CHARLES PARÁ Charles Pará, o navegador do Amazonas, o corsário indômito que vomitava fogo sobre as naves de Holanda. Charles Pará que frequenta os meios artísticos do Rio de Janeiro e sábado pela manhã toma banho na ducha do posto nove. Charles Pará, irmão do ex-campeão de Karatê Joshua Pará, ex-curtidor do barato das dunas de Ipanema. Charles Pará que naquele reveillon de 1973 engoliu 3 ácidos purple haze e no meio da neblina púrpura avistou o porto de Badezir a sudoeste da terra do fenício. Charles Pará, de estatura abaixo da média, cicatriz do lado esquerdo do rosto, olhos verdes claros, as pernas magras dentro dos jeans, sua linguagem interconexa apreende a voltagem do Rio e avisa: _ A onda vem aí. Charles Pará que de dentro da neblina púrpura avistara a onda colossal que vinha d'África para o Brasil e purgaria os pecados de Babilônia. _ Meu Deus está de prova. Eu vi o estrondo, os gritos deste povo. E aponta para os transeuntes que passam ao longo da calçada em frente ao Guanabara. Todos o conhecem por Charles Pará, o paranóico da onda. Volta e meia ele fixa os olhos sobre os edifícios e vê a espuma caindo sobre o copo de cerveja. Já foi entrevistado pelo Pasquim e o seu depoimento foi gozado pelo Jaguar e turma. Charles Pará, que nas horas vagas faz percussão de tamborim nas escolas de samba de sua preferência mas no carnaval nunca se decide em qual delas sai até o último momento do breque: " Charles Pará O que que houve, o que que há " Charles Pará manca de uma perna e leva quase vinte minutos da Ataulfo de Paiva à Vieira Souto para poder depois das onze sacar os ufos no horizonte. Muitos o apontam como um lunático, um folclórico sub-produto da metrópole. Outros como um profeta e ainda outros lhe sentem o calor que vem do peito e o convidam para mais um chope. E um samba a tamborim. Nascido na ex-capital da República a 20 de Agosto de 1949, Charles Pará é portanto do signo de Leão e tem como ascendente Sagitário. Está apresentado. CARTA DO PROFETA CHARLES PARÁ AO EX-PRESIDENTE GEISEL Pedro II doou a um grupo de anarquistas italianos uma ilha no interior do Paraná, onde eles pudessem viver de acordo com seus ideais. A ilha da Santa Cecília. Isto faz parte de nossa pré-estória. Em 1822 aconteceu a independência do Brasil em relação ao fecundador Portugal. Em 1922 foi ousada a pedra fundamental da futura ( O FUTURO ESTÁ NO PRESENTE ) capital Brasília, a uns 20 kms do local materializado pelo presidente Juscelino Kubitschek de OLIVEIRA. A nova ilha BRAZ-ILHA. Pois bem, no século passado, em 1833, o dom Bosco, um religioso italiano muito louco, profetizou a existência atual de uma terra maravilhosa onde " no meio dessas montanhas surgirá aqui a terra prometida vertendo leite e mel ". Localizou esta benção entre latitudes, e longitudes que cercam Brasília. O planalto Central. Hoje existe lá um monumento, a capela de dom Bosco. O signo astrológico do Brasil é Virgem a Mãe dos seios dela jorrara o mel para quem ? Minha liberdade poética que não é política é poética mesmo e esta é a condição nua do poeta me faz dizer que um dos próximos presidentes do país doará feito Pedro à uma extensa área no planalto para que os malucos do mundo inteiro possam transar com os índios e com aqueles de outras galáxias a fim de se alimentarem com seus corpos e almas o embrião de uma nova e saudável sociedade no planeta. Totalmente desvinculada de todas as ideologias de esquerda ou direita isto porque eles vêm do alto do Cristo Redentor. Serão eles o INDIO de que fala Caetano? Ele disse VIRÁ QUE EU VI. Viu com a Fé, com certeza. Fé é também Fraternidade Espiritual. Eu não cultivo em mim o passado. Rimbaud, Lautreamont, 1964. Eu também já estive no inffernoo. Eu cultivo em mim o presente e o futuro. 1984. 2004. O AMOR. Vamos rolar a pedra e rolar ela de mão em mão coração a coração até chegar ao presidente e que ela role cada vez mais polida preciosa poderosa e brilhante. Ele o presidente não terá ódio no coração. Será o representante do PAI, o Faraó, o Portugal. O Brasil, é a Virgem fecundada a Mãe dos santos loucos do planeta. Nós que queremos ser criança seremos os filhos do Amor. Inclusive o Presidente, eu e você. Rolando a pedra rolando a pedra ninguém poderá atirar um ISTA na FACE que Deus nos Deus. 24/11/77 cidade de OXALÁ BAHIA Este texto foi parido por um louco internado num lugar que começa com T e termina com A e tem 5 letras: quem souber onde fica está onde está. THE END Xará e Filó tinham se amado muito ali na pedra do Arpoador. O sol já vinha nascendo e despertou Filó e foram dar um mergulho nas águas de Ipanema. Ipa o quê ? Nome de índio. _ Que sonho estranho que eu tive, Filó. _ Me conta, Xará. _ No sonho você era uma índia e eu me casava com você que nem Peri e Cecy. _ Sem essa de casamento, Xará. Eu quero curtir a minha liberdade. As gaivotas dançavam pelo céu de anil. Viva o meu Brasil ! _ Falar em carnaval, Xará, vamos passar aonde ? _ Que tal na Bahia ? _ E as filmagens, não vão começar depois do carnaval ? _ A gente volta de avião. Teu pai tem grana é pra isso ! Havia treinado bastante para fazer o mensageiro alado do País de Badezir. A sensação era soberba quando pulava da Pedra bonita. _ Dá pra descrever, Xará ? _ Claro que não. É mais ou menos assim: a cabeça para, você vê tudo. É total ! _ Xará, você pensa mesmo em casar comigo ? _ Filó, o vento é quem sabe. Sigamos ele, tá bem ? Agora Bahiaaaa ! E Xará e Filó corriam felizes pela areia de Ipanema seguidos pelo zoom da águia. A porta da Pedra da Gávea se abriu. Badezir lá dentro desperta e contacta com as cinco mil naves que virão de Orion. Quem desce do Alto da Boa Vista até a Barra da Tijuca pode observar a cabeça do fenício esculpida na rocha. E se der sorte, a águia pousando lá no cocuruto onde Charles Pará está sentado. Há onde ? " Charles Pará O que que houve O que que há ? " Este livro é uma homenagem à invisibilidade do simples estar. Por aí curtindo a lua e o mar. Se tudo é deja vu, dai-me ao menos a inocência perdida ! Quero te encontrar mais viva e cheia do fluido inesgotável. Não me decepcione, Filó. Preserve a Bahia que houve e a que há. No meu coração Sarah sorri. É tudo tão presente naquele tempo mítico bem localizado entre o mar e a lagoa. Perpetua-se circularmente ao nosso redor. Como as melodias do Pedro Pituassu ! É agora que parte o Expresso 2222. É sempre agora só por graça. Respiram os pássaros sem eu precisar o Local. O Lugar. Mas há. PAGE  PAGE 15 PAGE   j Æ Æ Æ  Æ  Æ  Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ b b  IäQ Æ b b Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ Ö Æ Æ Æ Æ Æ Ü Æ ä Æ Æ ò Æ Æ Æ  Æ     Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ Æ . Æ Æ